Redação / 18 de Novembro de 2019
Decreto que
exime o Exército de responsabilidade penal recebe críticas de organismos de
direitos humanos
O Gabinete
interino que assumiu o poder na semana passada na Bolívia repete um mantra:
“Pacificar o país”. Essa declaração de intenções se choca com decisões que
elevaram a tensão nos protestos. Jeanine Áñez, a mandatária que sucedeu a Evo
Morales sem o apoio da maioria do Parlamento, assinou um decreto que exime de
responsabilidade penal os militares mobilizados nas ruas. Sua equipe garante
não ser uma “licença para matar”, mas a medida alarmou os organismos
internacionais.
A ordem, que
regula a intervenção das Forças Armadas ao lado da Polícia nas ruas do país,
foi emitida na sexta-feira, mesmo dia em que pelo menos nove manifestantes
foram mortos por agentes fardados em um confronto numa zona cocaleira próxima à
cidade de Cochabamba. “O pessoal das Forças Armadas que participar das
operações para o restabelecimento da ordem interna e estabilidade pública”, diz
o artigo 3º do decreto 4.078, “estará isento de responsabilidade penal quando,
em cumprimento de suas funções constitucionais, agirem em legítima defesa ou
estado de necessidade, em observância aos princípios da legalidade, absoluta
necessidade e proporcionalidade”. O Movimento ao Socialismo (MAS), partido do
ex-presidente Morales, anunciou neste domingo um recurso de
inconstitucionalidade. “Queremos informar que, no marco da normativa, vamos
apresentar um recurso ao Tribunal Constitucional Plurinacional para que isto [o
decreto] seja declarado inconstitucional”, disse a deputada Sonia Brito,
informa a agência boliviana Fides.
A decisão
fez disparar a preocupação em várias organizações. A Comissão Interamericana
dos Direitos humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA),
condenou-a sem meios termos. “O grave decreto da Bolívia ignora os padrões
internacionais de direitos humanos e por seu estilo estimula a repressão
violenta. O alcance de decretos desse tipo transgride a obrigação dos Estados
de investigar, processar, julgar e sancionar as violações de direitos humanos”,
denunciou a comissão.
A Human
Rights Watch pediu sua revogação. Segundo o diretor do organismo para as
Américas, José Miguel Vivanco, isso estabelece um precedente perigoso. “O
anunciado decreto supremo 4.078 da Bolívia não se ajusta aos padrões
internacionais e na prática envia às forças militares a perigosíssima mensagem
de que elas têm carta branca para cometer abusos. Deve ser retirado
urgentemente”, manifestou.
A equipe de
Áñez, que há dias argumenta que os protestos derivaram em distúrbios e
vandalismo, buscou reduzir essa preocupação. “Autorizou-se que o Exército, a
força armada da nação, possa participar da defesa da sociedade. Afirmou-se que
este decreto supremo, acreditamos que de maneira distorcida, evidentemente,
constitui uma licença para matar da força armada. O que não significa isso”,
disse a jornalistas o ministro interino da Presidência (Casa Civil), Jerjes
Justiniano.
A repressão
dos policiais e militares nos protestos já deixou 23 mortos, segundo o balanço
da CIDH, e recebeu críticas também da alta comissária de Direitos Humanos da
ONU, Michelle Bachelet, que manifestou sua preocupação com excessos das forças
de segurança num contexto extremamente volátil em que as duas partes parecem
inconciliáveis.
As ações dos
militares e policiais, na opinião dela, “podem pôr em perigo qualquer caminho
de diálogo possível”. Os esforços de aproximação entre o MAS, que durante quase
14 anos sustentou Evo Morales – asilado no México desde a terça-feira passada
–, e as novas autoridades por enquanto caíram no vazio.
A presidenta
interina insiste em que sua prioridade é convocar eleições o quanto antes, mas
na tarde deste domingo ainda não o tinha feito. Nem sequer foram indicadas
datas possíveis. Áñez, que autoproclamou-se presidenta da Bolívia na qualidade
de segunda vice-presidenta do Senado, afirma que a renovação do Tribunal
Supremo Eleitoral tem que sair do Parlamento, onde a formação de Morales conserva
a maioria absoluta.
(elpais)
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