1. O Estado Islâmico (EI, ex-ISIS) é uma ameaça de tipo novo.
Não é “mais um” grupo terrorista ou de fanáticos apocalípticos. Tem
outra ambição. Encara-se como um verdadeiro Estado em construção — o
“califado” — e não como uma organização de militantes. Controla, na
Síria e no Iraque, um território da dimensão da Grã-Bretanha. Utiliza
métodos de tal modo violentos que suscitou a repulsa da Al-Qaeda. Está a
mudar o mapa do Médio Oriente e a dinâmica das “guerras por procuração”
que lá se travam. Mais relevante do que o fanatismo é a sua vocação
totalitária.
Os analistas atribuíram inicialmente o seu sucesso a
três factores: uma extraordinária mobilidade com elevado poder de fogo,
a brutalidade dos ataques e uma refinada propaganda de actos de
barbárie para desmoralizar quem lhe resiste. Chuck Hagel, secretário da
Defesa americano, declarou depois do vídeo da decapitação do jornalista
James Foley: “É um grupo mais bem organizado do que qualquer outro de
que tenhamos conhecimento. Eles não são um simples grupo terrorista.
Aliam ideologia e sofisticação militar. Dispõem de fundos financeiros
incríveis.”
2. Hoje,
os analistas procuram um modelo explicativo geral para lá da descrição
ou da denúncia do terror. Constatam que o novo combate não se pode
equacionar na clássica figura de “guerra assimétrica” entre Estados e
entidades não estatais. A analogia entre o território ocupado pelo EI e
as “zonas libertadas” das antigas guerrilhas é ilusória.
Após a
invasão americana do Iraque e o fiasco da política de “construção de
nações” (nation building) da era Bush, o Médio Oriente tornou-se palco
de uma luta pela hegemonia entre sunitas e xiitas — ou, mais
rigorosamente, entre sauditas e iranianos. O EI insere-se neste campo,
mas excedendo o anterior quadro, declarando “apóstatas” os sunitas que
se lhe não submetem. Ameaça também a Arábia Saudita, declarando
ilegítimo o regime da Casa de Saud.
Há um factor importante.
Escreve o diplomata americano Christopher Hill: “No Médio Oriente, os
Estados estão a tornar--se cada vez mais fracos, enquanto as autoridades
tradicionais, sejam velhos monarcas ou presidentes seculares, parecem
incapazes de tomar conta dos seus agitados povos. Enquanto a autoridade
estatal declina, as lealdades tribais ou sectárias [religiosas]
fortalecem-se.” O que é hoje um iraquiano, um sírio, um libanês? É
alguém que se define primeiro como xiita, sunita, alauita ou cristão. As
“primaveras árabes” foram um revelador da falência da generalidade dos
Estados e são agora submergidas pela vaga salafista.
Abu Bakr
al-Baghdadi, líder do EI, propõe um modelo alternativo de Estado — o
“califado”. A ideologia que o sustenta é a utopia do regresso ao tempo
do Profeta e a reunificação dos sunitas em torno da sua bandeira negra.
Contra o Ocidente e — antes disso — contra os “hereges” xiitas ou os
“infiéis” cristãos. É um projecto político de substituição dos Estados
nascidos do fim do Império Otomano e da descolonização, muitos deles
artificiais e com fronteiras desenhadas pelas potências europeias.
Montou
nos territórios conquistados estruturas para-estatais e impôs uma
versão extrema da sharia. Os habitantes de Mossul foram despojados da
documentação pessoal, recebendo um B.I. do “califado”. A ideia de
“Estado islâmico” visa dar um novo mito mobilizador às massas sunitas.
Preenche um vazio. Longe vai o tempo dos reformadores árabes do século
XIX e dos nacionalistas seculares do século XX.
O rigorismo
religioso do EI não o impede de fazer alianças tácticas, na Síria ou no
Iraque. Aqui, aliou-se a tribos revoltadas contra o Governo xiita de
Bagdad e a antigos generais de Saddam Hussein, que nunca passaram por
piedosos. São alianças precárias mas eficazes.
O EI tem uma
vantagem sobre os movimentos congéneres: já não depende do financiamento
de Estados estrangeiros, como a Arábia Saudita ou o Qatar.
“Nacionaliza” os fundos dos bancos nas cidades que conquista. Cobra
resgates. Recebe donativos de milionários do Golfo. Organiza colectas de
fundos. Toma centrais eléctricas a Damasco e depois vende a
electricidade ao Governo sírio. Exporta o petróleo das jazidas que
ocupou. Assim, paga bem aos jovens desempregados que recruta e fanatiza.
E dá-lhes uma bandeira.
O EI recorre exaustivamente à Internet e
às redes sociais. Para lá dos sofisticados vídeos com massacres e
decapitações reais, fabrica cenas fictícias de horror, difundidas nos
países árabes. “Para recrutar seguidores e aterrorizar os inimigos até à
rendição”, escreve o jornalista árabe Ali Hashem. E para provocar
“efeitos de imitação”. Comparados com eles, os taliban do Afeganistão
eram “homens das cavernas”, observou um militar americano.
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