Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

OPINIÃO: Estado Islâmico uma vocação totalitária


 Por Jorge Fernandes
1. O Estado Islâmico (EI, ex-ISIS) é uma ameaça de tipo novo. Não é “mais um” grupo terrorista ou de fanáticos apocalípticos. Tem outra ambição. Encara-se como um verdadeiro Estado em construção — o “califado” — e não como uma organização de militantes. Controla, na Síria e no Iraque, um território da dimensão da Grã-Bretanha. Utiliza métodos de tal modo violentos que suscitou a repulsa da Al-Qaeda. Está a mudar o mapa do Médio Oriente e a dinâmica das “guerras por procuração” que lá se travam. Mais relevante do que o fanatismo é a sua vocação totalitária.


Os analistas atribuíram inicialmente o seu sucesso a três factores: uma extraordinária mobilidade com elevado poder de fogo, a brutalidade dos ataques e uma refinada propaganda de actos de barbárie para desmoralizar quem lhe resiste. Chuck Hagel, secretário da Defesa americano, declarou depois do vídeo da decapitação do jornalista James Foley: “É um grupo mais bem organizado do que qualquer outro de que tenhamos conhecimento. Eles não são um simples grupo terrorista. Aliam ideologia e sofisticação militar. Dispõem de fundos financeiros incríveis.”
2. Hoje, os analistas procuram um modelo explicativo geral para lá da descrição ou da denúncia do terror. Constatam que o novo combate não se pode equacionar na clássica figura de “guerra assimétrica” entre Estados e entidades não estatais. A analogia entre o território ocupado pelo EI e as “zonas libertadas” das antigas guerrilhas é ilusória.

Após a invasão americana do Iraque e o fiasco da política de “construção de nações” (nation building) da era Bush, o Médio Oriente tornou-se palco de uma luta pela hegemonia entre sunitas e xiitas — ou, mais rigorosamente, entre sauditas e iranianos. O EI insere-se neste campo, mas excedendo o anterior quadro, declarando “apóstatas” os sunitas que se lhe não submetem. Ameaça também a Arábia Saudita, declarando ilegítimo o regime da Casa de Saud.

Há um factor importante. Escreve o diplomata americano Christopher Hill: “No Médio Oriente, os Estados estão a tornar--se cada vez mais fracos, enquanto as autoridades tradicionais, sejam velhos monarcas ou presidentes seculares, parecem incapazes de tomar conta dos seus agitados povos. Enquanto a autoridade estatal declina, as lealdades tribais ou sectárias [religiosas] fortalecem-se.” O que é hoje um iraquiano, um sírio, um libanês? É alguém que se define primeiro como xiita, sunita, alauita ou cristão. As “primaveras árabes” foram um revelador da falência da generalidade dos Estados e são agora submergidas pela vaga salafista.

Abu Bakr al-Baghdadi, líder do EI, propõe um modelo alternativo de Estado — o “califado”. A ideologia que o sustenta é a utopia do regresso ao tempo do Profeta e a reunificação dos sunitas em torno da sua bandeira negra. Contra o Ocidente e — antes disso — contra os “hereges” xiitas ou os “infiéis” cristãos. É um projecto político de substituição dos Estados nascidos do fim do Império Otomano e da descolonização, muitos deles artificiais e com fronteiras desenhadas pelas potências europeias.

Montou nos territórios conquistados estruturas para-estatais e impôs uma versão extrema da sharia. Os habitantes de Mossul foram despojados da documentação pessoal, recebendo um B.I. do “califado”. A ideia de “Estado islâmico” visa dar um novo mito mobilizador às massas sunitas. Preenche um vazio. Longe vai o tempo dos reformadores árabes do século XIX e dos nacionalistas seculares do século XX.
O rigorismo religioso do EI não o impede de fazer alianças tácticas, na Síria ou no Iraque. Aqui, aliou-se a tribos revoltadas contra o Governo xiita de Bagdad e a antigos generais de Saddam Hussein, que nunca passaram por piedosos. São alianças precárias mas eficazes.

O EI tem uma vantagem sobre os movimentos congéneres: já não depende do financiamento de Estados estrangeiros, como a Arábia Saudita ou o Qatar. “Nacionaliza” os fundos dos bancos nas cidades que conquista. Cobra resgates. Recebe donativos de milionários do Golfo. Organiza colectas de fundos. Toma centrais eléctricas a Damasco e depois vende a electricidade ao Governo sírio. Exporta o petróleo das jazidas que ocupou. Assim, paga bem aos jovens desempregados que recruta e fanatiza. E dá-lhes uma bandeira.

O EI recorre exaustivamente à Internet e às redes sociais. Para lá dos sofisticados vídeos com massacres e decapitações reais, fabrica cenas fictícias de horror, difundidas nos países árabes. “Para recrutar seguidores e aterrorizar os inimigos até à rendição”, escreve o jornalista árabe Ali Hashem. E para provocar “efeitos de imitação”. Comparados com eles, os taliban do Afeganistão eram “homens das cavernas”, observou um militar americano.
Todos os homens devem agir em relação aos outros com espirito de fraternidade

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