Não deveria ser novidade para ninguém que o sistema
penitenciário brasileiro é caótico e violento e não ressocializa os
presos. Ao contrário, brutaliza
A punição ainda é vista pela sociedade brasileira como uma espécie de
vingança. A indiferença, a omissão ou mesmo o consentimento da
sociedade e dos agentes públicos com a barbárie existente no sistema
penitenciário é a principal barreira para a sua transformação.
Assim, superlotação, torturas, precárias condições de higiene,
revistas vexatórias em familiares, incluindo crianças, e toda a sorte de
punições para quem cometeu delitos são, infelizmente, legitimados,
ainda que de forma velada, por uma parte da sociedade.
A demanda pelo direito a uma vida sem violência é extremamente
legítima – e a violência no Brasil é real. São cerca de 50 mil
homicídios por ano, além de roubos, estupros e outras ocorrências que
causam medo e deixam suas vítimas e familiares perplexos, traumatizados e
desamparados.
O filósofo e jurista Cesare Beccaria dizia, ainda no século XVIII,
que o que previne um crime é a certeza da punição e não a severidade da
pena. Nesse aspecto, a segurança pública fornecida pelo Estado
brasileiro (considerando não apenas o poder Executivo, mas o Judiciário e
o Legislativo) é extremamente ineficiente.
Menos de 8% dos homicídios no Brasil resultam em processos criminais.
Há uma deficiência na investigação, com a existência de duas polícias
(Civil e Militar) que pouco dialogam, além de outras questões como a
falta de perícia, pouco uso de inteligência, falta de dados,
planejamento e coordenação institucional e federativa.
A abordagem policial é violenta e seletiva, assim como, o próprio
processo penal - 40% da massa carcerária no Brasil (548 mil pessoas) é
formada por presos provisórios. Pesquisa recente realizada pelo Cesec
(Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido
Mendes, do Rio de Janeiro), mostra de 50% dos presos provisórios no
estado estavam em situação ilegal: acabaram sendo absolvidos ou tiveram
uma pena diferente da prisão.
A seletividade começa quando o policial aborda o suspeito na rua ou
em comunidades pobres. O perfil do suspeito quase sempre é de um jovem,
negro e pobre. Depois, quando o juiz ou o promotor decide sobre a
legitimidade da prisão em flagrante ou o pedido de prisão, a
seletividade continua. A desigualdade e a discriminação operam ainda
quando o Estado não oferece assistência jurídica e termina na decretação
da sentença e no cumprimento da pena.
63% dos presos no país não concluíram o ensino fundamental. A maioria
dos presos são jovens e negros/as. Poucos crimes de estelionato,
corrupção, crimes tributários, contra o sistema financeiro ou também
chamados crimes do colarinho branco são investigados e quando o são,
pouquíssimos são os condenados.
Somente 0,08% dos presos possuem ensino superior completo, mas para
esses, o Código de Processo Penal garante uma cela ou prisão especial
quando sujeitos a prisão provisória. Esse privilégio também é concedido a
padres, militares e outras castas. Ou seja, a elite não frequenta a
cadeia e não se importa com os horrores que ocorrem lá dentro.
As cenas brutais, que chocaram o mundo, de presos sendo decapitados
no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, apenas expuseram o que, não raro,
ocorre nestes lugares. Não deveria ser novidade para ninguém que o
sistema penitenciário brasileiro é caótico e violento e não ressocializa
os presos. Ao contrário, brutaliza.
O problema é antigo e a situação só piora. De 2009 a 2012, o número
de pessoas presas no Brasil aumentou 60% (déficit que chegou, em 2012, a
cerca de 229 mil vagas). A população carcerária brasileira é a quarta
maior do mundo, atrás dos Estados Unidos, China e Rússia e 40 mil
pessoas estão presas por furto simples.
Além disso, 25% dos presos estão encarcerados por tráfico de drogas,
em maioria pequenos traficantes pobres. De um lado a polícia mata na
favela em nome da guerra às drogas e do outro prende e brutaliza jovens
na cadeia, tornando-os presas fáceis para o crime organizado e facções
criminosas.
Uma profunda reforma das polícias, do sistema de justiça criminal e
do sistema penitenciário é urgente. Temos que estancar de uma vez a
produção de ódio e insegurança alimentada pela omissão e ação das
próprias instituições do Estado.
Alexandre Ciconello, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil > FD
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