Além de mostrar que mulheres possuem situações diferentes, Kilomba rompe com a universalidade em relação aos homens também mostrando que a realidade dos homens negros não é a mesma da dos homens brancos, ou seja, evidencia que também em relação a esses é necessário fazer a pergunta: de quais homens estamos falando?
É muito importante perceber que homens negros são vítima de racismo e, inclusive, estão abaixo das mulheres brancas na pirâmide social. Trazer á tona essas identidades passa a ser uma questão prioritária. Em sua análise, ao não universalizar nem a categoria mulher e nem a homem, Kilomba cumpre esse papel.
Reconhecer o status de mulheres brancas e homens negros como oscilante nos possibilita a enxergar as especificidades desses grupos e romper com a invisibilidade da realidade das mulheres negras. Por exemplo, ainda é muito comum a gente ouvir a seguinte afirmação: "mulheres ganham 30% a menos do que homens no Brasil", quando a discussão é desigualdade salarial.
Essa afirmação está incorreta? Logicamente, não, mas sim do ponto de vista ético. Explico: mulheres brancas ganham 30% a menos do que homens brancos. Homens negros ganham menos do que mulheres brancas e mulheres negras ganham menos do que todos. Segundo pesquisa desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social em parceria com o Instituto de ´Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2016, 39,6 % das mulheres negras estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas pelos homens negros (31,6%), mulheres brancas (26,9%) e homens brancos (20,6%).
Ainda segundo a pesquisa, mulheres negras eram o maior contingente de pessoas desempregadas e no trabalho doméstico. Essa e outras pesquisas que pensam a partir dos lugares marcados dos grupos sociais conseguem estar mais próximas da realidade e gerar demandas para políticas públicas. Isso porque quando ainda se insiste nessa visão homogênea de homens e mulheres, homens negros e mulheres negras ficam implícitos e acabam não sendo beneficiários de políticas importantes e, estando mais apartados ainda, de serem aqueles que pensam tais políticas.
Quando, muitas vezes, é apresentada a importância de se pensar políticas públicas para mulheres, comumente ouvimos que as políticas devem ser para todos . Mas quem são esses todos ou quanto cabem esses "todos"? Se mulheres, sobretudo negras, estão num lugar de maior vulnerabilidade social justamente porque essa sociedade produz essas desigualdades, se não se olhara atentamente para elas, se impossibilita o avanço de modo mais profundo. Melhorar o índice de desenvolvimento humano de grupos vulneráveis deveria ser entendido como melhorar o índice de desenvolvimento humano de de uma cidade, de um país.
E, para tal, é preciso focar essa realidade, ou como as feministas negras afirmam há muito: nomear. Se não se nomeia uma realidade, sequer serão pensadas melhorias para uma realidade que segue invisível. A insistências em falar de mulheres como universais, não marcando as diferenças existentes, faz com que somente parte desse ser mulher seja visto. Segundo o Mapa da Violência de 2015, aumentou em 54,8%, o assassinato de mulheres negras ao passo que o de mulheres brancas diminuiu em 9,6%. Esse aumento alarmante nos mostra a falta de um olhar étnico racial no momento de se pensar políticas de enfrentamento á violência contra as mulheres, já que essa políticas não estão alcançando as mulheres negras.
(Djamila Ribeiro - trecho de Mulher negra: O outro do outro)
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