Nos anos de seu governo (1984-89), Raúl Alfonsín teve que dar uma rápida resposta à gigantesca situação revolucionária após a queda da ditadura militar. Primeiro condenou a Junta Militar apenas inocentar milhares de assassinos responsáveis pela guerra suja com a Lei de Obediência Devida e salvar as Forças Armadas do ódio popular
2 de abril de 2009- Causa Operária
Morreu na noite do dia 1 de abril, aos 82 anos, Raúl Alfonsín, primeiro presidente eleito na Argentina após o sangrento período de ditadura militar entre 1976 e 1983.
Vítima de um câncer no pulmão, o ex-mandatário expirou às 20h30 em seu domicílio localizado no bairro de La Recoleta, em Buenos Aires. A confirmação oficial veio pouco depois das 21h pelo médico Alberto Sadler. "Lamentavelmente, às 20h30 o doutor Raúl Alfonsín faleceu tranqüilo em seu domicílio, acompanhado por seus familiares, com muita paz. Estava dormindo e respirando muito tranquilamente, acompanhado de sua família, como ele sempre quis que ocorresse", foi o breve comunicado de Sadler diante de dezenas de jornalistas.
O perfil de estadista respeitado e honrado até por seus opositores, promotor de um julgamento inédito em todo o mundo, levando ao banco dos réus os torturadores e assassinos da guerra suja, abriu caminho para inocentar milhares de criminosos de farda e da polícia para salvar aquela instituição que é a coluna vertebral do Estado capitalista: as Forças Armadas.
Raúl Alfonsín, o presidente que julgou 15 chefes militares responsáveis pelos 30 mil assassinatos e seqüestros, é também o único presidente da democracia argentina a jamais ter sido acusado de corrupção.
Assim que foi eleito presidente da República nas primeiras eleições desde a morte do general Perón, em 1974, e dos quase oito anos de ditadura, Alfonsín pôs em marcha uma Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), presidida pelo escritor Ernesto Sábato, que elaborou o impressionante informe "Nunca Mais". Os testemunhos de sobreviventes e familiares, foram qualificados por Sábato de "uma descida ao inferno". O trabalho não tem precedentes na história da Argentina e do mundo, que acusou formalmente 15 alto-oficiais das Forças Armadas e condenou à prisão perpétua os integrantes da Junta Militar. Esta foi a primeira vez que os responsáveis de um golpe militar eram acusados, julgados e condenados.
A medida foi uma imediata resposta diante do ódio das massas, que se dependesse delas enforcaria todos os responsáveis em praça pública, tal como ocorreu em muitos momentos da história. Alfonsín subiu ao poder para socorrer o regime político após a capitulação monumental das Forças Armadas na Guerra das Malvinas, estopim para a queda da ditadura, e emergiu como um governo tampão que pudesse conciliar a enorme polarização entre a classe operária revoltada e os militares em dissolução.
A operação de limpeza das Forças Armadas foi respondida pelos setores de extrema-direita, como o movimento dos “carapintadas”, protagonizada por grupos de militares que levaram a cabo vários ataques entre 1987 e 1990. Camuflados, os amotinados tomaram várias bases militares e se confrontaram com forças leais ao governo. O movimento fracassou com a prisão e julgamento de seus líderes, mas suas reivindicações não deixaram de ser atendidas.
Alfonsin, apoiado por toda a burguesia, aprova a Lei do Ponto Final e a Lei de Obediência Devida, cancelando os processos judiciais contra os autores da ditadura. "Se extinguirá a ação penal contra toda pessoa que tenha cometido delitos vinculados à instauração de formas violentas de ação política até 10 de dezembro de 1983". Alfonsín decretava a impunidade dos militares responsáveis por 30 mil vítimas. Para complementar, era aprovada também a Lei de Obediência Devida, cujos "atos cometidos pelos membros das Forças Armadas durante a guerra suja e o Processo de Reorganização Nacional não eram puníveis por haver atuado em virtude de obediência devida", ou seja, estavam livres de punição a esmagadora maioria dos terroristas de Estado que, segundo a lei, estariam apenas seguindo ordens superiores. A lei de anistia foi um golpe fatal para o governo, no momento em que a economia entrava numa profunda crise.
Alfonsín teve que enfrentar durante seu governo treze greves gerais, sendo obrigado a renunciar cinco meses antes do fim de seu mandato, dando o poder para Carlos Menen. Este se encarregaria de anistiar os poucos militares que haviam sido condenados. A salvação do regime burguês contra-revolucionário por Alfonsín seria complementada pela política ferozmente neo-liberal de Carlos Menen que reduziu a economia argentina a escombros.
Se foi um pai para o militares genocidadas, outro foi o seu tratamento com os que se revoltaram. Escreveu mais uma página sangrenta na sangrenta história argentina e latino-americana com o massacre dos militantes que ocuparam o quartel de La Tablada.
Na esfera internacional, Alfonsín resolveria a disputa com o Chile pela possessão dos espaços marítimos do Canal Beagle, no extremo-sul do continente, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Mal a população havia se recuperado da derrota nas Malvinas e a crise esteve a ponto de um novo conflito militar. Entretanto, após cerca de dois terços de século em disputa, era assinado em 1984 o Tratado de Paz e Amizade entre Argentina e Chile.
Entre 1983 e 1989, o governo de Raúl Alfonsín foi marcado por nada menos que quatro mil greves (67% no setor público), 13 greves gerais convocadas pela CGT peronista, uma inflação de 5.000% ao ano e a desvalorização de 95% da moeda em apenas quatro meses, o suficiente para acabar com um governo e levar à sua renúncia.
"Não me importa como me julgue a história. O que importa é que ajudei a salvaguardar a democracia", disse Alfonsín, caracterizado por seus admiradores como um "obcecado" pela democracia, ou seja, pela estabilidade do criminoso regime capitalista. A conclusão necessária sobre seu governo e seu período histórico é a de que seu governo procurou a todo momento salvaguarda o regime político burguês e o Estado capitalista da tendência revolucionária das massas. Por detrás de suas palavras em defesa da democracia está uma tentativa desesperada da burguesia de levar uma política "obcecada" de conciliação entre o movimento revolucionário das massas e a burguesia escondida detrás das Forças Armadas em dissolução.
Merecidamente, terminou o seu governo em meio a violentos protestos populares que fizeram com que renunciasse e entregasse antecipadamente o governo ao sucessor.
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